O lado bom da vida

por Chrystian Barroso Chaves

Não estamos acostumados a olhar para a vida e para as coisas desta vida com bons olhos. Tendemos a ressaltar o que de ruim nos ocorre, o que outros apresentam de negativo, replicamos as notícias que mostram as infelicidades e faltas alheias. Mas porque não fazemos tudo isso também com as coisas boas? Por vezes tendemos até ressaltar o que é bom em nós e fingir não ver o que o outro nos apresenta de melhor, o lado bom de cada um.

Quando convidados a enxergar a vida por essa perspectiva, muitas vezes ficamos desconsertados. Em avaliações de desempenho profissional das quais participei como avaliador procurei fazer o questionamento: de que forma você acha que tem contribuído para o trabalho do grupo. Foi patente a dificuldade que os avaliados apresentaram para externar qualidades e contribuições positivas para o grupo. Por outro lado, rapidamente passaram a externar o que consideravam suas falhas e o que fariam para melhorar.

Sobre a tendência que temos de estudar e privilegiar as falhas alheias em detrimento de suas qualidades Kardec nos fala:

Incorrerá em grande culpa, se o fizer para os criticar e divulgar, porque será faltar com a caridade. Se o fizer, para tirar daí proveito, para evitá-los, tal estudo poderá ser-lhe de alguma utilidade. Importa, porém, não esquecer que a indulgência para com os defeitos de outrem é uma das virtudes contidas na caridade. Antes de censurardes as imperfeições dos outros, vede se de vós não poderão dizer o mesmo. Tratai, pois, de possuir as qualidades opostas aos defeitos que criticais no vosso semelhante.[1]

Percebamos que Kardec apresenta um caminho muito claro no que diz respeito às coisas negativas. Não foquemos no erro, não transformemos os equívocos alheios em combustível que alimentará as conversações de grupos mal intencionados. O codificador nos apresenta a alternativa de olhar para o espelho de nossa consciência e refletir sobre maneiras de sermos melhores do que se nos apresentamos até então. Essa é uma bela estratégia, focar no que há de bom a se fazer e cuidar para não fermentar os aspectos negativos, permitir que os fatos ruins não sejam mais do realmente são, ou seja, marcas desgastantes em um processo de aprendizagem.

O curioso é perceber que a ciência atual corrobora com o pensamento de Kardec. Um dos grandes escritores da Psicologia Positiva, Daniel Goleman, afirma que transmitimos e captamos modos uns dos outros, algo como uma economia subterrânea da psique, em que alguns encontros são tóxicos, outros, revigorantes.[2] Podemos concluir disso que ao focarmos nossas atenções no que há de ruim permitiremos um trânsito de ideias menos reconfortantes e revigorantes em nossas relações com outros. Por outro lado, ao procurarmos identificar o lado bom da vida estabeleceremos vínculos potencializadores de boas influenciações. Não ocorre aqui a defesa de que olhar a vida com bons olhos transformará problemas em fumaça – mesmo que metaforicamente tenha alguma verdade nesse pensamento – mas certamente podemos afirmar que a montanha se torna mais ou menos íngreme segundo o ângulo pelo qual a contemplamos.

Emmanuel nos alerta sobre o quanto nos influenciamos continuamente, plasmamos em torno de nós e dos outros boas ou más energias segundo a forma como olhamos para vida e disso personificamos atitudes e ações; ele diz:

Em todos os domínios do Universo vibra, pois, a influência recíproca. Tudo se desloca e renova sob os princípios de interdependência e repercussão. O reflexo esboça a emotividade. A emotividade plasma a ideia. A ideia determina a atitude e a palavra que comandam as ações.[3]

Parece que nessa cadeia onde nossa atitude e posicionamento mental diante da vida envolve não apenas nós mesmos, somos também responsáveis pela higiene psíquica do ambiente no qual imergimos. Nesse caso, o exercício da caridade tem ampliado seu aspecto puramente concreto e pontual e passa a ser um exercício constante que busca equilibrar-se entre o eu sou e o nós somos, entre o meu erro e o seu deslize. Enquanto companheiros de caminhada terrena podemos ser motivadores ou desmotivadores segundo a forma com a qual percebemos a vida, mas não podemos nos furtar ao fato de sermos influenciadores, sempre.

Kardec acende luz sobre nossa atitude nas relações, indicando-nos uma escolha a ser feita sobre a perspectiva que adotamos diante da vida, o que pode mudar substancialmente a essência da relação:

Sede, pois, caridosos, praticando, não só a caridade que vos faz dar friamente o óbolo que tirais do bolso ao que vo-lo ousa pedir, mas a que vos leve ao encontro das misérias ocultas. Sede indulgentes com os defeitos dos vossos semelhantes. Em vez de votardes desprezo à ignorância e ao vício, instruí os ignorantes e moralizai os viciados. Sede brandos e benevolentes para com tudo o que vos seja inferior. Sede-o para com os seres mais ínfimos da criação e tereis obedecido à Lei de Deus.[4]

Agora vejamos, então, como o pensamento kardequiano se aglutina aos estudos e pesquisas atuais sobre a forma como nos influenciamos. Martin Seligman, importante autor e um dos fundadores da teoria da Psicologia Positiva, refere-se a uma pesquisa realizada pela Universidade de Massachussets, nos Estados Unidos, da qual podemos concluir que afetamos e somos afetados emocionalmente pelo outro segundo a perspectiva pela qual enxergamos a vida. Nela diz que quanto mais perto uma pessoa vivia de alguém que se sentia solitário, mais solitária ela se sentia. O mesmo aconteceu com a depressão. Já a felicidade, surpreendentemente, era mais contagiosa que a solidão ou a depressão.[5]

Interessante notar que a felicidade é contagiante, vemos isso quando estamos na presença de pessoas que comumente chamamos de alto astral. São pessoas que normalmente expressam alegria de alguma forma e transmitem sensação de bem estar ou tranquilidade. Pode ser que não façam isso intencionalmente, que seja natural. Porém, para os que não apresentam essa tendência a boa notícia é saber que se podemos nos contagiar, temos a liberdade de escolher como, com alegria ou com seu oposto. É uma escolha a ser feita ao longo de toda a encarnação e precisamos entendê-la como um benefício, já que ter alternativa é sempre melhor do que não ter opção. Nos diz Kardec que no mundo, a censura ou o elogio são feitos à intenção, isto é, à vontade. Ora, quem diz vontade diz liberdade.[6]

Procurar na vida o seu melhor ângulo é uma questão de exercício diário de envolvimento com boas atividades e pensamentos ou de um bom envolvimento com as atividades e pensamentos cotidianos. Na Revista Espírita de março de 1860, Kardec conta o caso de uma médium notável da qual podemos destacar uma importante característica que faz eco às linhas até aqui traçadas, ela é reconhecida como portadora de um caráter naturalmente alegre e jovial. Sua alegria é contagiante como a fé que a anima e atua instantaneamente sobre os doentes. Vi muitos se retirarem com os olhos cheios de lágrimas, doces lágrimas de admiração, de reconhecimento e de alegria.[7]

Depois dessas confabulações talvez possamos arriscar meditar sobre a ideia de que olhar o lado bom da vida, embora seja em princípio uma ação de cada individualidade, tenha se tornado também uma questão de saúde. No entanto, não falamos aqui apenas de uma saúde envolta em suas vestimentas psicobiológicas, falamos de uma saúde pública porque nos contagiamos continuamente, falamos de uma saúde em Jesus, na Lei Divina, porque por Ele fomos convidados a entender que a vida é mais do que suas vivências, ela é uma jornada que fazemos juntos rumo ao Pai e na qual aprendemos uns com os outros.

Jesus nos ensinou a ver o lado bom da vida e mesmo diante de uma atitude de indiferença e crueldade nos ensinou ver as coisas de uma forma incomum: eles não sabem o que fazem.

Referências bibliográficas

Goleman, Daniel. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

Kardec, Allan. O livro dos Espíritos [tradução de Guillon Ribeiro]. Brasília: FEB, 2013.

Kardec, Allan. Obras póstumas [tradução de Guillon Ribeiro]. Rio de Janeiro: FEB, 2009.

Kardec, Allan. Revista Espírita. Março de 1860, um médium curador.

Seligman, Martin E. P. Florescer: uma nova compreensão da felicidade e do bem-estar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.

Xavier, Francisco Cândido (pelo Espírito Emmanuel). Pensamento e vida. Brasília: FEB, 2019.


[1] Kardec, Allan. O livro dos Espíritos, questão 903.

[2] Goleman, Daniel. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente, cap. 8.

[3] Xavier, Francisco Cândido [pelo Espírito Emmanuel]. Pensamento e vida, cap. 1.

[4] Kardec, Allan. O livro dos Espíritos, questão 888, por São Vicente de Paulo.

[5] Seligman, Martin E. P. Florescer: uma nova compreensão da felicidade e do bem-estar, cap. 7.

[6] Kardec, Allan. O livro dos Espíritos, questão 872.

[7] Kardec, Allan. Revista Espírita, março de 1860, um médium curador.

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