Chico Xavier e a mediunidade profética: alguns exemplos

por Ricardo Baesso de Oliveira

Médiuns proféticos, segundo Kardec, são aqueles que recebem a revelação de coisas futuras de interesse geral e são incumbidos de dá-las a conhecer aos homens, para instrução destes.i

A obra mediúnica de Chico Xavier antecipou-se a várias conquistas do pensamento científico, portanto, podemos considerá-lo como médium profético. Neste artigo vamos examinar três notáveis revelações relacionadas à dimensão biológica.

A teoria da moralidade como desenvolvimento dos instintos sociais

Durante quase todo século XX, permeou grande parte do pensamento científico o provérbio romano, popularizado por Thomas Hobbes, de que o homem é o lobo do homem. Segundo essa concepção, os seres humanos são maus e imorais por natureza. A evolução é resultado de um processo sórdido e egoísta de sobrevivência do mais apto, onde prevalece unicamente o interesse pessoal. O que há de bom na humanidade, se é que existe alguma coisa, é resultado da cultura e das instituições humanas. Entregue aos próprios instintos, os homens se autodestruiriam, porque assim determina sua natureza.

De alguns anos para cá, essa teoria deixou de ser hegemônica. Acredita-se hoje que a natureza humana abriga também um instinto social, que se mostra através da cooperação, empatia e compaixão. Esse instinto já se mostra em várias espécies animais, de tal forma que se pode pensar a moralidade como resultado também da evolução.

Stephen Jay Gould, um influente biólogo, escreveu:

Por que nossa maldade deveria ser a bagagem de um passado simiesco e nossa bondade unicamente humana? Por que não deveríamos ver continuidade entre outros animais para nossos traços nobres também?ii Segundo a teoria da moralidade como desenvolvimento dos instintos sociais existe uma continuidade entre a moralidade humana e as tendências sociais de animais. As tendências morais são vistas como produto da evolução. As evidências empíricas são as seguintes: a moralidade tem um alicerce emocional e intuito, os dilemas morais ativam áreas cerebrais envolvidas com as emoções, grandes primatas apresentam muitas das tendências incorporadas na moralidade humana e bebês com menos de dois anos, ou seja, antes do processo de socialização, demonstram empatia e um senso de justiça.

A afirmação profética de André Luiz é esta: o instinto de solidariedade prefigura o amor puroiii. Instintos são impulsos naturais que levam alguém a agir de maneira involuntária, sem se pautar pela razão ou inteligência. Prefigurar é o mesmo que representar antecipadamente. André está, portanto, mostrando que tudo aquilo que há no sentimento humano que dá grandeza, beleza e espiritualidade aos atos humanos – o altruísmo, a compaixão, o amor, evoluíram de um instinto: o instinto de solidariedade. Isso foi dito em 1958, quando a possibilidade de se admitir um instinto para o bem na natureza humana era sequer imaginada.

Revisão de conceitos relacionados à evolução do Homo sapiens

Acreditava-se que, há alguns milhões de anos, a África tornou-se gradativamente mais seca; de um ambiente com grande predomínio de florestas tropicais, foram surgindo savanas e desertos. A modificação do ambiente possibilitou que os símios pudessem escolher entre dois caminhos: permanecer nas florestas ou “descer das árvores” em busca de um novo habitat. Os antepassados dos chimpanzés, dos gorilas, dos gibões e dos orangotangos deixaram-se ficar dando origem aos primatas atuais. Os antepassados de outros símios arrojaram-se a abandonar a floresta e lançaram-se na competição com os outros animais terrestres, já então adaptados ao solo. Era uma empreitada arriscada, mas que foi venturosa: esses símios deram origem ao homem.

Segundo Paulo Dalgalarrondo, a hipótese da “descida da árvore” vem sendo questionada por paleoantropólogos contemporâneos. O que dizem eles?

O principal candidato a ser o ponto de partida a partir do qual houve a separação entre símios e a descendência humana, o elo perdido entre o Homo sapiens e os grandes símios, foi apelidado de Toumai. Seu crânio quase completo foi encontrado no Chade, um país africano, em 2001 e tem provavelmente 7 milhões de anos. O Toumai preenche critérios para ser inserido como membro da linhagem humana: além de fortes indicativos da postura bípede (forma do fêmur, dos ossos da pelve, da coluna vertebral e da parte posterior do crânio), a presença de caninos pequenos e molares grandes (geralmente com espesso esmalte dentário).

A região da África onde o crânio do Toumai foi encontrado é hoje uma área desértica, mas não era assim há 7 milhões de anos. Naquela época, consistia em uma enorme floresta, com pântanos e um grande lago com cerca de 400.000 km². Tal fato não justifica uma “descida da árvore” por mudança do habitat dos primatas de então, devendo a paleoantropologia buscar outra explicação para a bifurcação dos primatas e consequente surgimento dos ascendentes humanos.iv

Curiosamente, Emmanuel, reportando-se ao tema, esclarece:

Reportando-nos, todavia, aos eminentes naturalistas dos últimos tempos, que examinaram meticulosamente os transcendentes assuntos do evolucionismo, somos compelidos a esclarecer que não houve propriamente uma “descida da árvore”, no início da evolução humana.

As forças espirituais que dirigem os fenômenos terrestres, sob a orientação do Cristo, estabeleceram na época da grande maleabilidade dos elementos materiais, uma linhagem definitiva para todas as espécies, dentro das quais o princípio espiritual encontraria o processo de seu acrisolamento, em marcha para a racionalidade.v

Epigenética

O reconhecimento da influência do ambiente no funcionamento e na expressão de alguns genes, substituindo a errônea crença de que somente os genes controlam nosso destino, levou ao surgimento de um novo campo de estudos, denominado Epigenética. A Epigenética procura estudar os mecanismos através dos quais fatores externos à sequência de nucleotídeos no DNA (como por exemplo, o ambiente) intervêm na expressão gênica, afetando a maneira como as células acessam, interpretam e usam o DNA.

Vários mecanismos epigenéticos foram descritos. A presença de um grupo metila (CH3) ligado a um segmento de DNA é uma alteração epigenética. A ligação de um grupo acetila (COCH3) às histonas, proteínas que se relacionam ao DNA, é também uma alteração epigenética. Essas ligações químicas não modificam a sequência do gene, mas alteram sua expressão. Isso pode explicar enigmas como as diferenças, às vezes notáveis, entre gêmeos idênticos. Embora possuam o mesmo genoma, diferem em relação às marcas epigenéticas que, no decorrer da vida, acabam por acumular. As experiências que vivemos (até mesmo dentro do útero materno), os hábitos alimentares que cultivamos, o uso de fumo e álcool, o fato de sermos criados por pais atenciosos podem carrear para nossos genes marcas epigenéticas. As marcas epigenéticas tanto silenciam genes previamente ativados, quanto retiram a mordaça que havia sido posta em outros. Esse fato pode contribuir para explicar como ambientes diferentes fazem com que pessoas de genomas idênticos acabem se tornando pessoas diferentes. O mesmo mecanismo contribui para explicar como as células de nosso corpo, com o mesmo DNA, possuem forma e funções diferentes.

Em 1958, quando Chico recebeu o livro Evolução em dois mundos, essas ideias inexistiam por completo. Pois nessa obra, acreditamos que o conceito de epigenética tenha sido sutilmente apresentado. Carlos Mourão Júnior, professor titular de fisiologia da Universidade federal de Juiz de fora (UFJF) acreditava fortemente que André Luiz relacionou o termo bióforo, aos grupos metila e acetila, citados anteriormente, que agindo sobre os genes poderiam interferir em sua expressão:

[…] interpretando os cromossomos à guisa de caracteres em que a mente inscreve, nos corpúsculos celulares que a servem, as disposições e os significados dos seus próprios destinos, caracteres que são constituídos pelos genes, como as linhas são formadas de pontos, genes aos quais se mesclam os elementos chamados bióforos, e tomando os bióforos, nesses pontos, como sendo os grânulos de tinta que os cobrem […]vi

André Luiz relaciona os cromossomos, onde se encontram os genes, com linhas contendo pontos, e sobre eles agindo os bióforos, ou seja, as marcas epigenéticas, que interferem na expressão gênica.

Lyderson Faccio Viccini, professor de genética da UFJF, vê também a ideia, expressa no texto, de mecanismos epigenéticos como recursos de intervenção dos Espíritos na biologia reencarnatória. Acredita na possibilidade de que o Espírito, através de suas irradiações mentais, possa funcionar também como natural mecanismo epigenético, participando, tal qual o ambiente, na expressão dos genes de um organismo. A individualidade encarnada, através de suas poderosas irradiações, se projetaria no interior da célula, no conjunto de genes e proteínas, expressando sua identidade espiritual, suas características pessoais e suas necessidades evolutivas. De forma equivalente, Espíritos desencarnados, poderiam interferir na biologia humana:

[…] a criatura submete-se à lei da hereditariedade, com o direito de alterar-lhe as disposições fundamentais até ponto não distante do limite justo, segundo o merecimento de que disponha. Para ajudar aos semelhantes na escalada a mais amplas aquisições na senda evolutiva, recolhe, assim, concurso precioso dos Organizadores do Progresso, na mitose do ovo que lhe facultará novo corpo no mundo, de vez que toda permuta de cromossomos, no vaso uterino, está invariavelmente presidida por agentes magnéticos ordinários ou extraordinários, conforme o tipo da existência que se faz ou refaz, com as chaves da hereditariedade atendendo aos seus fins.vii


i O livro dos médiuns. Allan Kardec. Item 190.
ii Primatas e filósofos: como a moralidade evoluiu. Frans de Waal.
iii Evolução em dois mundos. Espírito André Luiz/Francisco Cândido Xavier/Waldo Vieira. Parte I cap. 10.
iv Evolução do Cérebro: Sistema Nervoso, Psicologia e Psicopatologia Sob a Perspectiva Evolucionista. Paulo Dalgalarrondo.
v A caminho da luz. Espírito Emmanuel/Francisco Cândido Xavier. Cap. 2.
vi Evolução em dois mundos. Espírito André Luiz/Francisco Cândido Xavier/Waldo Vieira. Parte I, cap. VII
vii Evolução em dois mundos. Espírito André Luiz/Francisco Cândido Xavier/Waldo Vieira. Parte I, cap. VII

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